Por Yudi Rafael
“Nas noites de sábado os imigrantes veteranos e novatos reuniam-se na casa de um deles para conversar. É que tinham necessidade de reunir-se em algum lugar”(1).
Um viajante retorna à sua cidade natal, dez anos após sua partida, e estabelece sua morada: “a casa é uma das maiores (forças) de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem... o passado, o presente e o futuro dão à casa dinamismos diferentes... sem ela, o homem seria um ser disperso.
Todo espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa... a casa não vive somente no dia-a- dia, no curso de uma história, na narrativa de nossa história... [mas] pelos sonhos, as diversas moradas de nossa vida se interpenetram e guardam os tesouros dos dias antigos” (2).
“Ao rememorar, não há pessoa que não se encontre consigo mesma. É o que está acontecendo agora” (3).
Aqui as conexões se fazem matéria: “meu corpo conta-se entre as coisas, é uma delas, está preso no tecido do mundo, e sua coesão é a de uma coisa Mas, dado que vê e se move, ele mantém as coisas em círculo a seu redor, elas são um anexo ou um prolongamento dele mesmo, estão incrustadas em sua carne, fazem parte de sua definição plena” (4).
Das coisas que se precisa para habitar um espaço durante um período de tempo, “as roupas indispensáveis e objectos de uso diário” (5), o artista produz “uma linguagem plástica que se desenvolve atrelada ao corpo... seja construindo, vestindo, viajando, desenhando, é a vivência integral do acontecimento artístico e a reinvenção das formas de vida que estão em jogo na poética fragmentada e múltipla” (6).
A bagagem carrega algo das relações estabelecidas, memória de experiências, trocas e laços construídos nos encontros, antes e depois da partida, e que, de alguma forma, agora se atualizam. Ao se fixar num determinado local, torna-se possível desenhar um mapa do entorno, dos nós que se ligam a partir de um ponto (eu, nós) e “traçar, a partir dali (...) linhas e vetores... buscar o que essas linhas alcançam” (7).
“Queremos experimentar, pesquisar e ver o que acontece” (8), “refazer a economia dos desejos, desconfiar das ideologias escondidas na constituição íntima das situações que se repetem no dia a dia” (9) “a partir do mesmo eco escuro em que ressoam as dúvidas e as certezas cinzas da existência: a densidade arquipelágica da vida: seu lugar e seu não lugar: seu entre-dois” (10).
1 Tomoo Handa em Memórias de um imigrante japonês no Brasil
2 Gaston Bachelard em A poética do espaço
3 Jorge Luis Borges em O outro
4 Merleau-Ponty em O olho e o espírito
5 Tomoo Handa em Memórias de um imigrante japonês no Brasil
6 Luiz Camillo Osorio em Eu sou apenas um! As experiências de Flávio de Carvalho
7 Luis Pérez-Oramas em A iminência das poéticas (ensaio polifônico a três e mais vozes)
8 Mariana Marcassa e João Angelini (Grupo EmpreZa) em entrevista concedida à Renato
Rezende e Felipe Scovino, publicada em Coletivos
9 Ana Luisa Lima sobre SHIMA em Caderno Performance, Abril 2014, SESC Campinas.
10 Luis Pérez-Oramas em A iminência das poéticas (ensaio polifônico a três e mais vozes)