Por Ana Luisa Lima
É possível que não haja algo mais demasiadamente humano do que o desejo
criacionista. Esse que move a alma num planejamento egóico de criação e
destruição segundo suas ideias de imagem e semelhança. O mais sincero ateu
traz em si a contradição fundamental de não crer num Deus, mas saber-se
entregue a formulações maiores do que sua própria capacidade de compreensão.

É o convívio inevitável com um ‘deus’ cético espelho de si mesmo.

Nada mais corriqueiro na jornada humana do que a necessidade vital de se ver
impresso nas coisas, nas pessoas, nos atos, nos afetos. Pois, assim que a alma
torna-se consciente de si mesma inicia seu tracejado gestual – nem sempre
continuo, nem sempre linear, nem sempre visível, nem sempre contornável –
num desejo de ser maior do que é, tal coisa nos acostumamos a chamar: legado.

Em “À sua imagem e semelhança”de Shima, o artista dá vida ao barro, por suas
próprias mãos. O performer faz a matéria-barro protagonizar a narrativa atávica
da ordem do humano. Nisso que é a ideia de história fundada numa genealogia
artística. Tal é essa ficção chamada arte, capaz de ‘auratizar’ gestos e objetos
como se fossem criaturas extensões de sua própria humanidade.

Se a vida imita a arte, ou a arte imita a vida, não seria nessa síndrome de pobres
semi-deuses entregues a própria errância e incapazes de assumir a orfandade?
Vacilamos entre o criar e destruir, esmagados entre o ego e a alteridade. Entre a
(re)afirmação de si mesmo e o anelo por legitimidade. E fazemos isso com toda
sinceridade que há na água e no sal de que são feitos a lágrima, a saliva, o suor.

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